Implementação de medidas de segurança contra incêndios ao longo dos tempos…
Ao longo da história a Humanidade tem vindo a ser confrontada com os efeitos do fogo, que nos primórdios contribuíram em muito para a sua sobrevivência, como defesa pessoal face aos animais, como iluminação das cavernas e na alimentação para cozinhar os alimentos.
Foi usado ainda como forma de aquecimento, contribuindo desta forma como facilitador do convívio em grupo. Através do fogo conseguiram fabricar objetos cortantes, ótimos para serem usados na caça, alimentação e defesa.
Contudo, nem tudo o que está associado ao fogo trás vantagens. A Humanidade passou a estar confrontada com o risco de incêndio que nos dias de hoje, nalgumas zonas do Planeta, tem sido um grande flagelo, dando origem a incalculáveis perdas humanas e materiais.
Assim sendo, para fazer face aos constrangimentos que o fogo incontrolado pode trazer para o Homem, desde os primórdios que este começou a adotar medidas para controlá-lo. Inicialmente através de medidas que visam apenas o combate aos incêndios, através de patrulhas de vigilantes para detetar e combater os focos de incêndio. Anos mais tarde surgiu a preocupação de prevenir os incêndios, adotando-se medidas a nível da construção dos edifícios, arruamentos e abastecimento de água.
- João I, através da Carta Régia de 23 de Agosto de 1395, tomou a primeira iniciativa em promulgar a organização do primeiro Serviço de Incêndios de Lisboa, ordenando que: “…em caso que se algum fogo levantasse, o que Deus não queria, que todos os carpinteiros e calafates venham àquele lugar, cada um com seu machado, para haverem de atalhar o dito fogo. E que outros sim todas as mulheres que ao dito fogo acudirem, tragam cada uma seu cântaro ou pote para acarretar água para apagar o dito fogo”.
No Porto, os Serviços de Incêndio também funcionaram desde o século XV. Na reunião de sua Câmara em 14 de Julho de 1513 decidiu: “Eleger diversos cidadãos para fiscalizar se os restantes moradores da cidade apagavam o lume das cozinhas à hora indicada pelo sino da noite”.
E assim Portugal, ao longo dos anos, tem vindo a publicar requisitos legais visando prevenir e combater os incêndios em edifícios. Desde as primeiras leis e normas até aos dias de hoje, muitas alterações e revogações têm sido efetuadas afetando as construções existentes e as futuras.
Face a estas alterações constata-se atualmente que muitos edifícios à luz da atual legislação apresentam algumas não conformidades. Contudo, face à legislação existente à altura da sua construção, o edifício estava adequado no âmbito da segurança contra incêndios em edifícios.
No âmbito da legislação atual, o Decreto Lei n.º 224/2015. de 9 de outubro que altera o Decreto-Lei n.º 220/2008, de 12 de novembro e a Portaria n.º 1532/2008, de 29 de dezembro, aplica-se aos edifício novos assim como aos edifícios antigos. Este facto causa alguns constrangimentos na reabilitação de alguns edifícios nomeadamente na dificuldade de implementar certas medidas de segurança contra incêndio.
Das várias dificuldades que se consideram existir na aplicação da atual legislação aos edifícios antigos integrados ou não nos Centros Urbanos Antigos (CUA) destacam-se as seguintes:
No que diz respeito às condições exteriores comuns:
- Condições exteriores de segurança e acessibilidades (vias de acesso aos edifícios e acessibilidade às fachadas) sem as características exigidas;
- Limitações à propagação do incêndio pelo exterior (paredes exteriores, coberturas, distancias de segurança, etc.) que não cumprem igualmente as exigências legais a nível de distâncias, resistência e reação ao fogo, entre outras.
- Abastecimento e prontidão dos meios de socorro. Nem sempre é cumprida a distância entre as saídas do edifício que fazem parte dos caminhos de evacuação e os hidrantes instalados, sendo esta muitas vezes tecnicamente ou economicamente inviável de se aplicar.
Relativamente às condições gerais de comportamento ao fogo, isolamento e proteção (resistência ao fogo de elementos estruturais e incorporados, compartimentação geral ao fogo, isolamento e proteção de locais de risco, isolamento e proteção de canalizações e condutas, proteção de vãos interiores, isolamento e proteção das vias de evacuação), surgem dificuldades para adequar à atual legislação.
Por um lado torna-se difícil avaliar a resistência ao fogo dos elementos estruturais e de compartimentação dos edifícios existentes, principalmente nos mais antigos e, por outro lado, caso se verifique que os mesmos não são adequados, torna-se por vezes inviável quer técnica ou economicamente substitui-los.
Em relação às condições gerais de evacuação, muitas vezes, face à ocupação dos espaços, não existem o número mínimo de saídas de emergência, assim como não é cumprida a largura das vias e a distância a percorrer até às mesmas. O incumprimento ocorre quer a nível das vias horizontais, quer das verticais. Mais uma vez adaptar as construções para a legislação atual é por vezes “quase impossível”.
Os constrangimentos abordados anteriormente dizem respeito a nível da construção e à envolvente do edifício. No entanto, a nível das condições gerais das instalações técnicas (instalações de energia elétrica, de aquecimento, de confeção e de conservação de alimentos, evacuação de efluentes de combustão, ventilação e condicionamento de ar, ascensores, locais de armazenamento de líquidos e gases combustíveis) também existem constrangimentos. Estes constrangimentos pretendem-se nalguns casos com a limitação dos espaços que pode tornar inviável a sua instalação.
Relativamente às condições gerais dos equipamentos e sistemas de segurança (sinalização, iluminação de emergência, deteção, alarme e alerta, controlo de fumo, meios de intervenção, sistemas fixos de extinção automática de incêndios, sistemas de cortina de água, controlo de poluição de ar, deteção automática de gás combustível, drenagem de água residuais da extinção de incêndios, posto de segurança, instalações acessórias), existem algumas dificuldades na sua adaptação à legislação atual. Nalguns casos existem constrangimentos a nível da limitação de espaço no caso de edifícios antigos integrados ou não nos CUA, como atrás foi mencionado.
As medidas de autoproteção exigíveis dependem da utilização tipo e da categoria de risco do edifício, contemplando:
- Registos de segurança;
- Procedimentos ou Plano de prevenção;
- Procedimentos em caso de emergência ou Plano de Emergência Interno;
- Ações de sensibilização e formação em segurança contra incêndio;
Para quem elabora as medidas de autoproteção existem alguns condicionalismos intrínsecos ao próprio edifício, nomeadamente a nível das condições abordadas anteriormente e ainda a nível organizacional.
Relativamente às questões organizacionais:
- Inexistência de manuais dos equipamentos;
- Inexistência ou desatualização das plantas dos estabelecimentos;
- Plantas em formato não editável;
- Equipamentos e sistemas de segurança contra incêndio sem manutenção e falta de registos (após os licenciamentos e vistorias a preocupação em manter tudo dentro dos requisitos legais, “cai no esquecimento”);
- Falta de elementos nas instalações para poderem fazer parte da equipa de segurança (contemplando os efetivos e os suplentes);
- Informação dispersa relativamente à gestão da manutenção dos equipamentos e sistemas;
- Ocupantes sem formação adequada, não sabendo como atuar em caso de emergência.
A garantia de uma eficaz segurança contra incêndio em edifícios, terá de passar por mudanças a nível da conceção e construção dos edifícios, assim como da exploração e gestão dos mesmos.
Os requisitos legais existentes também poderão por em causa a segurança das instalações, nomeadamente:
- Os projetos de 1ª e 2ª categorias de risco, assim como as medidas de autoproteção (para todas as categorias) poderem ser elaborados por técnicos sem formação específica;
- Os técnicos não necessitam de serem reconhecidos por uma Ordem profissional (Engenheiros, Engenheiros Técnicos ou Arquitetos), para a elaboração de projetos, bem como das medidas de autoproteção.
Por vezes são necessárias medidas compensatórias em estabelecimentos antigos que, muitas vezes, o técnico pode não recomendar as medidas mais adequadas para o estabelecimento em causa.
Estas e outras questões deverão ser tidas em consideração num futuro próximo. Caso contrário, poderão por em causa a segurança das pessoas e das instalações.
Margarida Pina Boto
(Consultora em Segurança)
Licenciada em Engenharia Química e Técnica Superior em Higiene e Segurança no Trabalho, pelo Instituto Superior Técnico, Formadora Certificada pelo IEFP, Conselheira de Segurança e Membro efetivo da Ordem dos Engenheiros.
Possui diversos cursos na área da segurança contra incêndio, ATEX, gestão do risco, conselheiro de segurança, e na área comportamental.
Consultora e Formadora nas áreas de ATEX, Segurança Contra Incêndio (SCI), Identificação de Perigos e Avaliação de Riscos e Conselheiro de Segurança. Possui experiência profissional nos setores: industrial (metalomecânica, bebidas, estações de tratamento de águas residuais, tratamento de resíduos, tintas, farmacêutica, refinarias, e química) e administrativo (escritórios). Tem experiência na Elaboração do Manual de Proteção Contra Explosões, das Medidas de Autoproteção, Plano de Segurança e Saúde, Identificação de Perigos e Avaliação de Riscos e formação nas áreas da Gestão do Risco, Segurança em Laboratórios, Espaços Confinados, ATEX, SCI, Metodologias de Análise de Riscos, Passaporte de Segurança, Lean Safety, FMEA entre outros.